Conto 4 - A Vida Por Um Filho



Raios e trovões raivosos debatiam-se no firmamento. Como uma luta entre guerreiros, desferiam golpes luminosos formando um aterrorizante espetáculo. A chuva desprendia-se das nuvens em rajadas furiosas que rebatiam no solo o açoitando.
Maria não gostava da chuva, pois ela trazia consigo as lembranças de um dia muito ruim. Um dia que a barriga saliente a impedia de esquecer. Aquele que trazia em seu ventre não era filho de Antony, mas sim de todo o seu ódio.
Na mente, o desejo de vingança. De todos os poderes que ela tem, somente um ela queria possuir. O poder de mandar Antony para o inferno, mas este não lhe fora concedido.
Enquanto o céu gritava rouco e as contrações apunhalavam o seu interior, a criança bastarda nasceu. Fruto da violação de seu corpo e da destruição da sua integridade aquele menino chegava para que nunca se esquecesse do que Antony era capaz.
Paula, a filha primogênita, era ainda bem pequena, quase um bebê quando Pedro veio ao mundo. Apesar da pouca idade já carregava nos olhos o brilho da maldade insana soprada em seus ouvidos como canções de ninar. Desde cedo, Antony a preparava para que fosse sua bruxa.
Após longos períodos rejeitando a criança, Maria tomou amor pela pequena criatura que nenhuma culpa teve das barbaridades que ocorreram.
O ciúme de Paula foi se intensificando, mas foi só aos quatro anos que cometeu um ato sórdido contra o irmão.
Maria escolhia as frutas na grande feira livre no centro da cidade.  Paula arrastara o irmãozinho para onde o aglomerado de pessoas era maior. Sem que a mãe se desse conta de seu afastamento, Paula sacara uma faca debaixo do vestido golpeando Pedro que tombou ao chão urrando de dor.
–  Mamãe! Mamãe! – Paula gritou.
Desesperada, Maria correu em direção aos gritos agudos que conhecia bem. Deixando as compras para trás, culpou-se por ter se distraído.
Rompeu a multidão que curiosa rodeava as crianças. O menino agonizante suplicava por ajuda quando Maria o alcançou.
Com a cabeça do filho em seu colo, chorava para o céu. Tinha que salvá-lo, mesmo que isso custasse a sua vida.
De braços cruzados a sorrir, o espírito Antony a fitava. Mais uma vez a obrigava a evocar os poderes que ela tanto renegava.
Sem nenhuma alternativa, Maria Montessales ergueu a sua voz:
“Eu, uma filha da magia
Rogo aos sábios protetores;
Concedam-me o poder
Das forças da natureza

Bolas azuladas de energia se formaram em suas mãos. Os olhos tomaram a cor alaranjada do fogo e ela continuou com a voz firme e mais elevada enquanto todos se afastavam amedrontados.

Como legítima Montessales
Eu domino os quatro elementos
E neste instante em que preciso
Uso o dom que me pertence”

Maria virou as palmas das mãos à Pedro e diante dos olhos da multidão efetuou a cura do profundo ferimento do garoto.
Mal acabara de realizar o feito e alguém da multidão a apontara como bruxa. Um coro se deu início. Herege! – Eles gritavam.
Um bombardeio de pedras caiu sobre a sua cabeça depois das crianças terem sido-lhe arrancadas.
Entregue aos inquisidores, foi condenada à fogueira.
Manoela, avó materna das crianças, com a ajuda do espírito recuperou seus netos fugindo mais uma vez.
Antony não perdoara a desobediência de Maria. Concedera-lhe diversas chances de aceitá-lo, mas a sua ingratidão o irritou. Sabia que com Paula seria diferente. Paula seria uma bruxa a orgulhar-se, assim como se orgulhava de sua querida feiticeira Manoela Montessales.


Observação: No livro as personagens tem um desfecho diferente do relatado neste conto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário