Conto 2 - O Casamento de Maria



Observando as mudanças do céu crepuscular através dos olhos de Maria, o espírito desencarnado Antony que há muito entrara para a família Montessales como guia e conselheiro místico, aguardava ansiosamente o grande momento nupcial.
Maria Montessales nasceu em Portugal em 1572, uma época bastante complicada para aqueles que possuíam dons inaceitáveis pela igreja.
Fruto da união carnal entre Manoela Montessales e Antony, que para a concepção possuíra o corpo de um padre, Maria nasceu num vilarejo distante, longe das ameaças dos inquisidores que por tanto tempo perseguiram a sua mãe, cuja a salvação das ardentes chamas da pira, mesmo após ter sido condenada pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, se deu por causa da sábia intervenção da entidade.
Naquele lugar longínquo, ninguém jamais desconfiou que Maria e Manoela fossem bruxas poderosíssimas. O segredo mascarado da família Montessales fechou-se para o mundo exterior de modo que todos acreditavam que elas fossem fieis súditas do catolicismo.
Acordando do transe em que Antony a pusera, uma avalanche de sentimentos despencou no peito e lágrimas emocionadas rolaram pelo rosto. O vestido de noiva rodado e repleto de bordados e pedrarias satisfaria os olhos curiosos dos convidados assim que Maria pisasse na igreja.
Foi nessa noite feliz que Maria casou-se com o homem que amava. Paulo de Albuquerque Viseu, descendente do grande Dom Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal, se rendera aos encantos da sigilosa bruxa e a tomara como esposa.
Ao acordar pela manhã ao lado de sua amada após a primeira noite em seus braços, Paulo foi dominado pela absoluta certeza de que o casamento não havia sido consumado. Ele não se lembrava de ter possuído Maria, apesar de todos os indícios apontarem o contrario.
Decidira não comentar nada a respeito. Muito provavelmente estava bêbado demais para lembrar-se de algo. Abusara do vinho na festa de casamento, disso estava convicto.
Uma estranheza imprecisa começou a abordá-lo após alguns dias. Nenhuma vez se quer recordava ter realizado o ato sexual, apesar de Maria jurar que havia acontecido.
Antony jamais permitiria que um homem possuísse uma Montessales conscientemente. O espítito se apoderava do corpo de Paulo durante todas as relações e estando sua alma distante, ele não teria como se lembrar.
Descobrindo as peripécias de Antony, Maria tomou providencias realizando um ritual que o manteria afastado.
Durante um mês inteiro, Paulo desfrutou dos momentos íntimos com a esposa sem nenhum lapso de memória, porém uma serie de acontecimentos inexplicáveis começou a atingi-lo.
Objetos plainando no ar, portas abrindo e fechando, aparições fantasmagóricas e a constante sensação de estar sendo observado, o levaram rapidamente a um intenso desarranjo mental.
Maria tentou reverter a situação permitindo que Antony possuísse o corpo do marido como fizera antes. Qualquer coisa, desde que a mente continuasse sã.
Antony voltou a se manifestar no corpo de Paulo, porém recusou-se a parar com as brincadeiras demonstrando toda a sua ira até que o pobre marido de Maria chegasse ao ponto de suicidar-se.
Tão impossível quanto evitar que a água escave vales em leitos de rocha, é livrar-se da presença de Antony, que irresponsavelmente fora invocado pela primeira vez pela tola Manoela.
Após a morte do marido, Maria deu a luz a uma menina que da mesma forma fora contemplada com os dons de sua mãe e de sua avó.
Paula Montessales, mais uma filha de Antony nascera em 1594 e carregara com ela a herança involuntariamente deixada por Manoela e Maria. No entanto, este fora somente o inicio da poderosa linhagem de bruxos e bruxas Montessales que se espalharam pelo mundo. Uma família cercada de desgraças, maldições e poderes inacreditáveis que foram se tornando cada vez mais influentes no decorrer das gerações.
Até os dias de hoje os Montessales convivem com a presença de Antony, que pune severamente os que ousam desafiá-lo e protege incondicionalmente aqueles que o servem.

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